Luís Peazê (*)
O que você faria se ouvisse no meio de uma metrópole uma voz apreensiva sussurrando, no seu ouvido, a chamada do título? Se for um cidadão de qualquer profissão, exceto do jornalismo, pensará que está ficando louco, ouvindo vozes do além. Mas um jornalista entraria em estado de alerta; em seguida iria querer saber de onde exatamente está vindo; daí em diante é a rotina de apurar, apurar, apurar e, às vezes, traduzir corretamente antes de publicar a notícia.
Recentemente fui pego como um cidadão comum pela notícia de que Mike Tyson envolveu-se em confusão numa boate de São Paulo, e li a matéria. Andava meio nocauteado de tanta notícia incerta sobre quem seria indicado para punição na CPI do mensalão, e fiz um desvio para, como dizem os americanos, “limpar o sistema” (em português talvez fosse melhor traduzir “clean the system” para “zerar a paisagem mental”, mas, pensando melhor, às vezes a coisa envolve zerar-se espiritualmente (com uma notícia sobre Mike Tyson?), deixemos como está). Pois o que aconteceu foi eu ser nocauteado de vez, literalmente – pela tradução das respostas do famoso e bizarro boxeador.
Você diria, muito circunlóquio, não fui direto ao ponto. Paciência, trabalhar com tradução é assim, parece que vai ser fácil, mas nunca é. Contudo, é instigante, e vamos direto ao ponto, o espaço aqui é pequeno, como nas redações, onde a pressa é um vício da notícia:
Bem ao final da entrevista com Tyson o repórter coloca entre aspas uma de suas respostas, assim: “tudo o que eu quero é ser deixado sozinho”. Dois parágrafos acima, Tyson havia revelado que após o seu declínio no Box, sentia-se abandonado, logo conclui que a frase traduzida, com problemas, teria sido “all I want is to be left alone”. A nossa língua também quer ficar em paz, ela não precisa levar tantos socos assim. Problemas como esse soçobravam ao longo de toda a matéria, que contou com um colaborador, dois jornalistas, e sabe-se lá quantos mais a leram antes de ir para as páginas (impressas e digitais) do jornal.
Minha pesquisa na Internet e em jornais impressos prosseguiu, tendo prospectado uma fábula de lixo perigoso, tanto na superfície dos textos traduzidos, de notícias reproduzidas de agências internacionais, quanto em suas profundezas. A última notícia, traduzida da Associated Press, que provocou este aviso de acidente no mar da informação jornalística, foi a de um australiano e de um neozelandês náufragos, encontrados à deriva num bote salva-vidas no 11o, digo, 12o dia.
A manchete anunciava um dia a menos de deriva, até aí tudo bem. Mas logo no primeiro parágrafo uma frase soou como um direto no queixo. Os homens estariam trazendo um motor de iate de
Bem, o texto era um acidente atrás do outro. A frase ao final, sem edição, sem copy desk, e com muita pressa ou pouca atenção, dispensa comentários: “Nos aconchegávamos juntos um ao outro como dois bebês para nos mantermos aquecidos durante a noite”. Durma-se com um barulho desses!
Conversando com cientistas da oceanografia tenho ouvido freqüentes reclamações quanto a péssimas traduções, assim como de descrições impróprias em textos jornalísticos sobre eventos científicos em geral. Isso não deixa de ser um problema de tradução, interpretação. Assim, o público está recebendo desinformação, é aí que está o problema. Por isso, caros colegas (repórteres, chefes de redação, diretores e donos de veículos), já que a Internet, os editores de texto, os dicionários temáticos e de expressões idiomáticas on-line facilitaram tanto a vida da gente, não custa investir um pouquinho mais de atenção na hora de traduzir e interpretar, pelo menos.
Atenção, revisores de plantão: este texto foi escrito, propositalmente com pressa, em exatos 40 minutos, com base no repertório memorizado, portanto, mãos à obra.
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